Cão Preto: depois do gato preto é a vez de um cão brilhar no cinema

Cão Preto: Uma História de Redenção chega a Portugal.

O cinema chinês contemporâneo continua a surpreender o público português com narrativas intensas e emocionantes.Após o sucesso de “Flow”, que explorou a relação única entre um homem e um gato preto, chega às salas nacionais “Cão Preto” (Gou Zhen), uma obra do realizador Guan Hu que promete cativar os espectadores com uma história de amizade improvável e redenção.

Guan Hu compartilhou que sua experiência durante a pandemia, convivendo com seus cinco cães, influenciou a criação do filme, levando-o a perceber a conexão inexplicável entre humanos e cães.

Veja o trailer de Cão Preto

2024 | CHINA | 1H 56MIN | DRAMA | LONGA-METRAGEM

Enredo de “Cão Preto”

“Esta história de uma amizade difícil que se demora a construir, entre um homem e um cão, ambos feridos física e emocionalmente, impressiona e aconchega o coração.”

Cão Preto” acompanha Lang, interpretado por Eddie Peng. Depois de dez anos na prisão, Lang regressa à sua cidade natal no noroeste da China, agora quase abandonada e prestes a ser arrasada para dar lugar a um complexo de fábricas. No esforço de limpar a cidade antes dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008, Lang apenas consegue encontrar trabalho na caça aos cães vadios. Um cão preto e perigoso, com uma alta recompensa de captura, morde Lang. Os dois ficam isolados para evitar a propagação do vírus da raiva e desenvolve-se uma amizade entre eles. Através do retrato profundamente sincero da relação entre o homem e o animal, o filme conta uma história de redenção e renovação.

Reconhecimento Internacional

A qualidade e profundidade de “Cão Preto” não passaram despercebidas no circuito internacional. No Festival de Cannes de 2024, o filme foi agraciado com o Prémio Un Certain Regard, destacando-se entre diversas produções. Além disso, recebeu o Prémio Crème de la Crème no Festival de Varsóvia e o Prémio Ribera de Duero de Melhor Realização e Melhor Fotografia no Festival de Valladolid.

Exibição em Portugal

A estreia nacional de “Cão Preto” está marcada para 10 de abril de 2025. O filme será exibido em diversas cidades, incluindo Lisboa, Porto, Setúbal, Figueira da Foz, Braga e Coimbra. Em Lisboa, as sessões ocorrerão no Cinema Medeia Nimas e no Cinema São Jorge, enquanto no Porto será no Teatro Campo Alegre.

Uma Reflexão sobre a Coincidência Temática

A chegada de “Cão Preto” aos cinemas portugueses levanta uma reflexão interessante: a coincidência de sua estreia ocorrer logo após o sucesso de “Flow”, outro filme que aborda a relação entre um homem e um animal preto. Embora as narrativas sejam distintas, ambas exploram a conexão profunda entre seres humanos e animais, oferecendo aos espectadores uma oportunidade de refletir sobre temas universais como amizade, solidão e redenção.

Cartaz de Flow, animação surpreendente e vencedora do Oscar.
Cartaz original do filme Cão Preto, destaque em diversos festivais.

“A localização deste filme excelente e deliberadamente subtil é essencial para a narrativa: uma cidade arruinada e praticamente abandonada nas raias ventosas do Deserto de Gobi (…) a deslumbrante fotografia panorâmica parece ter sido filmada em tons monocromáticos.”

THE GUARDIAN

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“Cão Preto apresenta-se como uma fábula existencial sobre isolamento, redenção e a possibilidade de estabelecer ligações contra todas as probabilidades.
FINANCIAL TIMES
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“Cão Preto impressiona desde o seu primeiro plano, transformando a beleza do Deserto de Gobi num território cinematográfico sem paralelo.”
CAHIERS DU CINÉMA
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“O novo filme do cineasta chinês Guan Hu, de forma hábil e precisa, conta a história do laço entre um marginal e um cão no cenário natural magnífico do Deserto de Gobi.”
LIBÉRATION
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Entrevista com o Realizador

GUAN HU

Os seus filmes são conhecidos por terem uma acuidade muito realista e, ao mesmo tempo, uma forma de expressão abstracta. A que categoria pertence Cão Preto?

Eu diria que, acima de tudo, se trata de um filme de autor. Um filme nascido da minha observação pessoal e através do qual examino as mudanças ocorridas na China ao longo de cerca de vinte anos. Assim como as suas consequências, positivas ou negativas, no indivíduo.

A figura animal é recorrente na sua obra. Um cavalo branco em The Eight Hundred (2020), uma vaca em Cow (2009) ou até uma avestruz em Mr. Six (2015)… Desta vez, é um cão…

Se há animais nos meus filmes, é, antes de mais, porque acredito que existe em cada um de nós uma dimensão animal. Uma animalidade que se pode manifestar quando precisamos de demonstrar coragem ou desafiar a autoridade. Como uma espécie de natureza primitiva que muitas vezes escolhemos manter adormecida. O que me parece lamentável.

A personagem de Lang foi marginalizada pela sociedade, tal como o cão que encontra. Ambos foram abandonados… Podemos dizer que são o reflexo um do outro?

São duas almas solitárias, marginalizadas, que escolhem apoiar-se uma na outra. Existe uma antiga lenda chinesa que conta a história da divindade Erlang [divindade da mitologia chinesa que possui um terceiro olho na testa e está associada a heróis que protegeram a população de inundações durante as dinastias Qin, Sui e Jin]. Foi, aliás, em referência a essa lenda que dei ao meu herói o nome de Lang. Erlang é frequentemente representado com um cão esguio e faminto ao seu lado, que alivia a sua solidão enquanto percorre os céus.

Há poucas personagens femininas no seu filme. Com a excepção de Raisin, interpretada por Tong Liya, que terá uma grande influência sobre Lang. Um papel secundário, é certo, mas primordial…

Os papéis femininos são muito importantes nos meus filmes, pois reflectem a resiliência e a maturidade que procuro na minha vida. Neste filme, a forma como Raisin encara a vida é extremamente adulta e ponderada. Ela exerce sobre Lang a influência de uma irmã mais velha. É muito determinada no que diz respeito ao seu futuro. Contudo, esse tipo de vida já traçada não é o que Lang precisa neste momento da sua vida.

Como decorreu a rodagem?

Há muitos animais no filme: cães, tigres, lobos, entre outros. Tivemos de garantir que estes pudessem trabalhar tranquilamente com o elenco. Isso exigiu muita paciência! Por exemplo, há uma cena em que eu queria que o tigre mostrasse a Lang onde o cão preto estava escondido. Claro, parecia impossível de concretizar. Mas, no momento em que começávamos a ficar sem ideias para realizar a cena, o tigre-da-Manchúria levantou-se sozinho e rosnou suavemente na direcção do local onde o cão estava escondido. O actor que interpretava Lang também olhou por cima do ombro naquela direcção e encontrou o cão. Um resultado além das minhas expectativas. Obviamente, não podíamos comunicar com os animais através da linguagem, mas tive a sensação de que, no set, os animais começaram a entender-nos.

Há no seu filme uma cena muito marcante em que todos os habitantes se reúnem numa colina para assistir a um eclipse solar. Qual é o significado dessa cena?

Um eclipse solar ocorreu, de facto, no noroeste da China em 2008. E esse evento foi considerado na altura como um presságio auspicioso na véspera dos Jogos Olímpicos. Queria que, no meu filme, naquele instante preciso, o Sol e a Lua brilhassem juntos. Que o Céu e a Terra se tornassem um só. Como uma forma de exteriorizar as mudanças que estão a acontecer em Lang. 

Como ele as encara e como essas mudanças lhe permitem reerguer-se. Ao mesmo tempo, os animais escapam do jardim zoológico e vagueiam por uma cidade abandonada. O eclipse criou para eles uma espécie de liberdade temporária, livre de qualquer interferência humana. Vejo isso como a concretização do sonho de Lang.

O que é que os cães possuem que o inspirou a usá-los como catalisador neste drama interpessoal? É possível sentir o seu amor por estas criaturas enquanto se vê o filme.

Eu próprio tenho cães, e estou com eles sempre que tenho tempo livre. Passar tempo com eles inspirou-me a fazer este tipo de filme. Não há qualquer conflito entre mim e os cães. [Liang Jing, esposa de Guan e produtora, mostra-me entusiasticamente fotos dos seus cães num iPhone].

quero perguntar se o neo-realismo foi uma influência. Ao ver Cão Preto, lembrei-me especialmente do filme de Vittorio De Sica, Umberto D. (1952).

Já vi tantos filmes, especialmente os westerns americanos. Não tenho a certeza sobre que filmes influenciaram Cão Preto

O que espera que os espectadores retirem deste filme? Há algum sentimento ou algo que queira inspirar nos seus espectadores quando acabarem de ver Cão Preto?

Quero que as pessoas sintam que se podem fazer à estrada de novo. A vida é muito mutável, e muita coisa acontece todos os dias.

Por que escolheu Eddie Peng para interpretar Lang?

Por uma razão muito simples: ele possui aquela ingenuidade animal que eu procurava para o papel. E isso é algo que não se encontra todos os dias. Os actores do filme são profissionais bastante conhecidos pelo grande público. Mas, como o filme se passa no Deserto de Gobi e nas vastas extensões do oeste da China, queríamos que eles se integrassem no ambiente e parecessem habitantes locais. Isso foi mais difícil para Eddie, porque ele tem formação como ginasta, é alto, bonito e possui um sentido de moda muito apurado. Uma imagem bastante diferente da do seu personagem. Para aproximar o actor do papel, tivemos de trabalhar e modificar o seu físico, o tom de pele e até os traços do rosto, eliminando aquele lado urbano que ele naturalmente transmite.

Antes de fazer este filme, o Guan realizou épicos blockbuster, como The Sacrifice (2020) e The Eight Hundred (2020). Cão Preto é um filme mais contido e pessoal. O que provocou esta mudança?

Como mencionou, já realizei alguns blockbusters. Mas, antes disso, fui um cineasta que adorava fazer filmes pessoais e narrativos. Portanto, simplesmente regressei ao ponto onde comecei, porque às vezes pode ser muito aborrecido repetir o mesmo.

Pensando nos seus filmes anteriores então, a sua estética é, em igual medida, surreal e realista. Há elementos de género, mas com toques de realismo mágico. Como caracterizaria os seus filmes?

Sou da opinião que a base de todos os bons filmes é uma boa metáfora. Neste filme, existe aquilo a que chamamos realismo mágico ou surrealismo. É assim que eu olho para essa questão.

Como se tornou cineasta?

Os meus pais eram ambos actores. Cresci num set de filmagens. O local onde os meus pais trabalhavam exibia regularmente filmes, mas, como os bilhetes eram difíceis de conseguir, nós, as crianças, forjávamos os nossos próprios bilhetes falsos para ir ao cinema e ver todos os filmes que a nossa geração ainda não tinha tido oportunidade de ver… Essa experiência é, provavelmente, o que mais me influenciou e motivou. Ainda hoje, é o oxigénio que alimenta a minha criatividade.

Guan Hu não é um homem de muitas palavras. Cão Preto, que realizou e venceu o prêmio Un Certain Regard em Cannes este ano [2024], é igual.

O centro emocional do filme manifesta-se nas interacções silenciosas entre um homem e o seu cão e a força destruidora da paisagem do Deserto de Gobi, onde os caninos dominam. “O filme é construído a partir do silêncio,” diz Guan, “da possibilidade de um canal misterioso de comunicação não-linguística entre humanos e cães.”

Guan vem da “Sexta Geração” de cineastas chineses, ao lado de Jia Zhang-Ke e Wang Xiaoshuai, favoritos dos festivais internacionais. Tendo surgido no início da década de 90, o grupo é caracterizado pelo seu estilo realista distinto e o seu foco nas pessoas nas margens da sociedade chinesa em rápida mutação.

Entre as dunas ondulantes de areia de carvão, o tempo parece ter parado. Planos gerais capturam humanos e animais a deslocarem-se pelo deserto, quais insectos. Deambulam sem rumo por uma cidade-fantasma que parece uma ruína de um outro tempo. Cães aparecem em todo o lado, desde o topo das dunas às ruas vazias da cidade às fissuras de edifícios abandonados. Ao colocar humanos e animais na mesma escala, Cão Preto examina a “animalidade dentro dos humanos”, diz Guan.

“Desde o princípio, decidimos seguir um princípio de ‘não- -interferência’, um modo observacional. Não queríamos interferir com a vida como ela é. A nossa perspectiva é que o fado humano é pequeno e insignificante perante a imensidão da natureza e do Deserto de Gobi.”

Desafios reais


“O maior desafio foi paciência”, diz Guan, sobre a experiência de trabalhar com um elenco canino. “Mesmo que ensaiássemos por muito tempo, e que as coisas estivessem a correr bem, assim que chegávamos ao set os animais podiam ficar cansados ou irritados, e podiam não actuar tão bem como tínhamos imaginados, ou pior do que no treino… Tudo o resto, como o clima, era gerível.”

Para Guan, o filme é tanto sobre comunicação como companheirismo. Cão Preto é a sua tentativa de representar a comunicação “indescritível” entre homem e cão “que não precisa de palavras”. E, em Cão Preto, diz Guan, “o cão não é só um animal de estimação. Ele age como uma personagem – uma extensão da própria alma solitária de Lang.

Curiosidade

O título do filme vem de Xin, um whippet preto vadio com o qual Lang, interpretado por um impressionantemente robusto Eddie Peng, estabelece uma amizade depois de ser designado para uma patrulha canina local, encarregue de apanhar cães vadios na preparação para os Jogos de Pequim. A amizade entre o quase mudo Lang e o indisciplinado mas leal cão desenvolve-se enquanto Lang tem dificuldades em encontrar o seu lugar numa cidade que parece estar cada vez mais abandonada. Muitas cenas incluem edifícios de betão empoeirados marcados com o caracter 拆, ou chai, uma marca usada pelas autoridades na China para sinalizar edifícios destinados a ser demolidos.

O filme estréia no dia 10 de Abril

Festivais &

Premiações

Festival de Cannes 2024 – Un Certain Regard – Melhor Filme
Festival de Varsóvia – Prémio Crème de la Crème
Festival de Valladolid – Prémio Ribera de Duero de Melhor Realização, Melhor Fotografia
LEFFEST 2024 – Lisbon Film Festival – Selecção Oficial em Competição – Prémio do Júri

Elenco: Eddie Peng, Chu Bu Hua Jie, Youwei Da, Jia Zhang-ke

Argumento: Guan Hu, Rui GeDirecção de Fotografia: Weizhe GaoProdução: Jing Liang, Justine O, Wenjiu Zhu

Distribuição: Leopardo Filmes

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